Estava lendo este texto e reflete exatamente o que penso, mas acredito firmemente em uma nova reforma para estes dias.
Um abraço a todos
Já sei por onde não ir.
Ricardo Gondim
Leio que o exército negociou com traficantes o retorno da “normalidade” nas favelas do Rio de Janeiro – ou seja, devolveu-lhes a liberdade para negociarem e restituiu-lhes seu “território”, que continuará no controle do crime. Angustio-me, mas não desisto do jornal, afinal sou brasileiro e já corri sete maratonas. Aprendo que o crescimento econômico brasileiro, estagnado há mais de vinte anos, mantém-se com índices equivalentes ao Haiti. Por pura teimosia, viro a página da Folha e fico informado que o lucro do maior banco brasileiro, que já estava na estratosfera, aumentou mais 80% no último ano.
Enquanto o cenário draconiano me rodeia pela página impressa, ouço os pastores. Eles parecem alienígenas vindos de um mundo perfeito. Falam de uma existência sem sofrimento, de uma prosperidade mágica, e de vitória em todo e qualquer percalço. Percebo-os como patifes que minimizam os descalabros nacionais como se fossem “maldições” espirituais. Sabem encurralar o povo sofrido no beco da culpa: “Se você enfrenta dívidas e crises conjugais decorrentes de seus problemas financeiros, com certeza não está pondo sua fé em ação”. São para mim mercadejadores da Palavra que desafiam os desvalidos nacionais com a cara mais lisa e ordinária: “Venha fazer a campanha de Gideão, da Fogueira Santa, do Sal Grosso, das Muralhas de Jericó e acabe seu sofrimento”.
Como arrazoar? São dois mundos distintos, duas realidades que não se tangenciam. Eles não lêem os jornais, não possuem senso crítico; e varrem escrúpulo e decência para debaixo dos seus tapetes imundos. São lobos vorazes que saqueiam o irrisório salário mínimo do trabalhador; fomentam um ambiente onde não se pode perguntar, pensar ou exercitar o bom-senso. Conseguiram condicionar seus auditórios e todo argumento recebe respostas emotivas, piegas e irracionais. Ouço irritado: “Não se deve julgar essas igrejas, afinal de contas, muitos se libertaram e lá tiveram uma genuína experiência com Deus”. “Se essas igrejas estão cheias e o povo não é burro, alguma coisa boa deve haver ali”. A cada réplica, dá vontade de virar as mesas dos templos. Os contra-sensos revoltam.
Enquanto isso, minha caixa postal se entope de mensagens de gente destruída, decepcionada e desiludida. Eles ouviram sermões que não “resolveram”, e agora se sentem largados nas calçadas. Há dias não consigo dormir direito com tantos pedidos de socorro. São mulheres espancadas, filhos abusados e profissionais frustrados. Todos reclamam que suas orações não funcionaram e não sabem o que fazer.
Concluo que esses sintomas não são pontuais e nem circunscritos a um determinado grupo. O modelo evangélico nacional adoeceu. Os que defendem a ortodoxia da fé deveriam se arrepender de seu dogmatismo e defenderem a vida antes das doutrinas; os que se enxergam como baluartes do pentecostalismo deveriam fazer crítica interna porque geraram comunidades que asfixiam a criatividade, a liberdade e a felicidade; os que se dizem na vanguarda do “mover apostólico” deveriam ter coragem de se olharem no espelho e reconhecer que propalam maravilhas que só beneficiam a eles próprios.
Assim, acabo meu envolvimento com o mundo evangélico. Termino minha militância com o movimento ao qual me dediquei por mais de trinta anos. Estou desencantado. Chegou a hora de encerrar minha associação com esse imenso guarda-chuva que hoje abriga uma das religiosidades mais pernósticas da história. Não quero mais estar incluído no mesmo rol de pessoas que considero pilantras fardados de apóstolos. Tenho pena desses drag-queens culturais que se deslumbram com o imperialismo de um George W. Bush. Não consigo ouvir missionários que prometem milagres a granel.
Chega! De hoje em diante não me sentirei atacado quando souber que apedrejaram o discurso moralista e inconsistente desses sicofantas.
Contudo, continuarei minha caminhada cristã, movido pela esperança do Reino, alimentando-me dos que trilham a senda de Jesus de Nazaré. Tomo emprestadas as palavras de Frei Betto: “A esperança é uma fênix. Sempre a renascer das cinzas... Um sonho se tece de mil fios delicados, até que um dia a imagem se transporta da mente à realidade. Talvez não se saiba exatamente aonde se pretende chegar. É como no amor, os sentimentos criam vínculos sem que se saiba ou se possa adivinhar o porvir. Sabe-se, contudo, por onde não ir. Como no poema de José Régio: “não sei por onde vou,/ não sei para onde vou,/ sei que não vou por aí!”.
Não vou pelas vias que conduzem os passos do inimigo...”.
Soli Deo Gloria
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